segunda-feira, 18 de julho de 2011

Edney Santana

Carta aos mestres 

Quando cheguei a 5 ª série do 1º grau no Pedro Lago, um medo sentava sempre comigo na carteira: ser rebaixado e voltar para a 4ª série. Naquele tempo esse medo não era absurdo, era uma possibilidade, havia grandes mestres e o sistema não era tão conivente com a ignorância como é hoje.
No Pedro Lago uma professora mudou pela 1ª vez minha história através da educação, a Pró Norma, de língua Portuguesa. Lamento naquele tempo não haver celulares ou máquinas digitais filmadoras, teria registrado muitas de suas aulas maravilhosas.
Certa vez a Pró Norma fez na sala um estudo com a letra de “Maria Maria” do Milton Nascimento, foi o suficiente para despertar em mim o encanto pelas palavras e literatura, sem falar que “Maria Maria” foi o primeiro texto político que tive contato, a Pró Norma abordou através de “Maria Maria” questões como valorização da mulher negra, tema que só recentemente entrou no currículo oficial.
Na mesma escola Milton Nascimento cruzara outra vez meu caminho, desta vez com “Coração de Estudante”, nas aulas de redação com a professora Maria Helena. Inesquecível professora, e a primeira a me suspender das aulas, a primeira suspensão da série que iria tomar na Pedro Lago, mas a primeira aluno algum esquece.
Nas aulas de redação com a Pró Maria Helena fui aprendendo a ordenar os pensamentos, lia nos jornais na Banca de revista Revicoque (vendia jornais pelas ruas, meu melhor cliente era Vadinho Gordo, da sapataria São Miguel, todos os dias comprava um Atarde) e aproveitava para reescrever os textos com as instruções da professora, fui aprendendo a falar também através das palavras escritas. Era um mundo novo poder guardar no papel as coisas que nem sempre podia-se dizer com a língua.
Muitos anos antes disso tudo na Escolinha São José, na Rua Direita, fui alfabetizado pela Pró Hermínia, nunca esqueci do meu primeiro dia na Escolinha, quando cheguei lá estava tocando “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” no rádio, lembro da Pró Hermínia segurando minhas mãos para tentar melhorar algo que me acompanharia por toda vida: minhas letras monstruosas.
Muitos e muitos anos depois outro professor mudaria minha história mais uma vez: O professor Anchieta Nery, da UFES. Pelas suas mãos um simples aluno, que nem era um exemplo de dedicação aos estudos, de família pobre e sem nenhum brilho especial aos olhos de muitos, publicou um livro pela Universidade.
Ter um livro publicado por uma universidade e no caso da UEFS uma das melhores (segundo avaliação do MEC) do país foi decisivo para minha formação e para ter segurança nos caminhos a seguir, o professor Anchieta mostrou o quanto uma história aparentemente improvável de vida poder ser possível e concreta.
Tenho total consciência o quanto alguns dos meus professores foram decisivos para minha formação, pessoas que dedicaram suas vidas para “ajudar” na formação de tantas outras vidas. Todas às vezes que entro em uma sala para lecionar levo comigo lições aprendidas com cada um desses mestres inesquecíveis.
Segurar nas mãos de um aluno e ajudá-lo a coordenar suas letras, ensinar a um garotinho a ler Milton Nascimento além da sua própria música e através disso reafirmar o essencial de nos respeitarmos independente de cor, sexo ou posição social, ajudar seus alunos a ordenar ideias no papel, acreditar no potencial de cada um, publicando um livro e entender suas carências e deficiências? De um aluno nascido no berço na miséria social deste país? Isso é ser Professor-Educador, saber-se profissional da educação, saber que “formar” gente é antes de tudo formar a si mesmo constantemente.
O magistério no Brasil vive uma crise sem precedentes, se nada for feito nas próximas décadas simplesmente faltará pessoas dispostas a tornarem-se professores. Ser professor hoje é quase uma opção masoquista. Uma nação tolerante com a ignorância, estupidez e que não respeita seus professores e professoras não poder ser feliz. Hoje quando vejo políticos criminosos indicando para trabalhar como professores substitutos gente sem a menor formação sinto-me impotente e triste, nas escolas públicas há uma festa de contratação de pessoas semi-analfabetas responsáveis pela formação das nossas crianças, tudo com aval de vereadores e prefeitos e olhares complacentes do Ministério Público e Poder Judiciário.
Tenho um orgulho danado dos bons professores e professoras que tive, junto com minha educação familiar transformaram uma vida improvável em uma existência produtiva. Faço das minhas realizações profissionais e intelectuais um monumento de agradecimento a cada um deles e espero que os alunos de hoje, mesmo em meio ao banditismo pedagógico que atua livremente neste país, no futuro lembrem-se também dos seus bons mestres com carinho, gratidão e, sobretudo respeito.

Contatos com o autor:
 http://cartasmentirosas.blogspot.com

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