segunda-feira, 11 de abril de 2011

Em foco nossa cultura - Ninho Nascimento - Entrevista

Mestre Macaco


Esse status de “cidade da cultura” que Santo Amaro carrega é só uma máscara.

Mestre Macaco, gostaria que você me falasse sobre a trajetória da ACARBO e dos serviços prestados por essa associação à comunidade santamarense:

Antes de falar da ACARBO gostaria de falar de um valor que além do emocional está relacionado à questão da gratidão. Comecei a fazer capoeira na década de 70 com o mestre Ferreirinha de Santo Amaro. A capoeira de Santo Amaro, hoje, se não fosse esse mestre, já falecido e o mestre Carcará, não existiriam os grupos atuais porque todos os grupos existentes, ou vem da linha de Ferreirinha ou de Carcará... Comecei com a ACARBO em 1985, ainda na quadra do grêmio com um pequeno grupo de seis pessoas e de lá pra cá venho procurando consolidar cada vez mais esse trabalho de resistência e persistência. O grupo ACARBO está caminhando para uma trajetória de 26 anos de serviços prestados à comunidade, afinal, são centenas de pessoas que participam dos nossos trabalhos com capoeira e diversidade cultural, porque a capoeira é o nosso carro chefe, mas temos também por aqui o Maculelê que começamos desenvolver através de Vavá, de mestre Popó, ainda na época da quadra do grêmio. Por pertencermos a uma região pesqueira, temos também a puxada de rede do xaréu que era feito por aquela comunidade, há mais de trinta anos, segundo informações dos moradores de lá e do mestre Messias. Existe ainda na ACARBO o trabalho de resgate do Lindro Amo de Cosme e Damião, feito por Dona Dalva, na Pedra e pela esposa de Tidu, no Pilar que infelizmente com o passar do tempo ficaram desativados. Então, nesse trabalho de diversidade cultural temos a capoeira, o maculelê, o lindro amô, a puxada de rede, o samba de roda, a dança afro, que aqui é desenvolvida pelo professor Ditinho como estimulo à conscientização corporal. É bom frisar que todas as nossas atividades são orientadas por professores como é o caso do maculelê e a puxada de rede sendo responsável Valmir Andrade, bisneto de mestre Popó; o lindro amô e o samba de roda tem a coordenação da professora Edilene com o pessoal da melhor idade. A capoeira que como disse é o nosso carro chefe, tem oito núcleos na cidade trabalhando com pessoas de todas as idades, desde crianças com três anos até pessoas com 76 anos.

Mestre, o que é exatamente o Ponto de Cultura?

Qualquer entidade que desenvolve atividades culturais é na verdade um ponto de cultura, porém apenas 150 dessas entidades em todo o estado da Bahia foram contemplados através de edital de uma parceria entre o governo federal e estadual que dura três anos. No primeiro ano do projeto teríamos como uma das metas atender 200 pessoas e matriculamos 250, no segundo ano o número de matriculados deveria ser 250, mas confirmamos 350 pessoas e neste terceiro ano a meta era inscrever para as oficinas disponíveis 300 pessoas e nós estamos atendendo 420, ou seja, superamos em muito a meta estabelecida pelo governo. Outros cursos que oferecemos e que não citei anteriormente são os de serigrafia, já houve aqui um curso de comunicação e marketing, com a professora Jaqueline que está concluindo seus estudos nessa área, através do qual foi detectado a dificuldade de pessoas para elaborar um simples currículo ou participar de uma entrevista de trabalho e que os próprios participantes consideraram muito bom alegando terem rompido a barreira da baixo-auto estima, houve também um curso de matemática para o 1º, 2º e 3º grau. No primeiro ano recebemos um total de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e esse dinheiro foi totalmente investido na instituição seguindo rigorosamente a planilha orientada pelos gestores do Ponto de Cultura, os governos federal e estadual, e o montante referente ao segundo ano do projeto também já foi depositado e já prestamos contas, graças a Deus e a seriedade dos profissionais da ACARBO, cumprimos todas as metas. Alias, gostaria de dizer que o nosso Ponto de Cultura é considerado como referência e estamos servindo de fonte de orientação dos demais Pontos de Cultura em todo o estado. Fazer cultura é uma coisa, agora, administrar cultura é outra coisa totalmente diferente e para isso temos o auxílio de dois profissionais da área de contabilidade.

Você, através da ACARBO é mais uma daquelas pessoas que levam o nome de Santo Amaro para fora do país, inclusive, me parece que A ACARBO já tem filiais em algumas cidades da Europa, me fale um pouco disso:

Antes de chegarmos a outros países temos um trabalho de base em diversas cidades como São Gonçalo, Feira de Santana, Salvador, Amélia Rodrigues, Tabatã, Mucuri, Aracruz, no Espírito Santo, Macaé, no Rio de Janeiro, em Bonfim, Minas Gerais, entre outras; na Europa estamos instalados em Lisboa, Portugal, em Berlim, na Alemanha e na cidade de Bordeau e Blair, na França. Chegamos à Europa através da expansão da capoeira pelo mundo afora. Já são mais de 150 países que praticam a capoeira e como o europeu tem sede de consumir a nossa arte, a expansão se deu de forma natural. Eu tive algumas oportunidades de viajar para representar o Brasil em eventos fora do país e outros alunos da ACARBO receberam convites para morar por lá, a exemplo de Cláudio que foi, montou a estrutura e fortaleceu a capoeira por lá, um outro aluno, o Wander foi para Berlim, começou a trabalhar em academias e o trabalho se firmou. A aceitação da nossa arte por lá é a melhor possível.

De que forma a ACARBO registra suas atividades?

Já gravamos o primeiro Cd de capoeira de Santo Amaro, intitulado Salve Deus e Salve a Pátria, ao vivo, em um estúdio Platum, através do músico Roberto Mendes, o nosso segundo Cd foi gravado com o título: Vamos Vencer Câmara, o terceiro foi gravado no formato de MP3 com 57 músicas de capoeira, maculelê e samba de roda, gravamos um quarto trabalho em DVD mostrando diversas manifestações culturais, intitulado Revitalização, para comemorar os 20 anos do grupo e por fim já lançamos o Cd mais recente com o tradicional maculelê de Santo Amaro e a puxada de rede cantada em português e ioruba, ou seja já estamos com cinco obras disponíveis, caminhando para a 6ª.

Santo Amaro carrega o rótulo de “cidade da cultura”, mas a gente sabe que não é bem assim porque todos os grupos culturais da cidade e os artistas emergentes da música passam por muitas dificuldades para se manter e não acham nenhum tipo de apoio. É muito difícil se manter através da cultura, não?

Em primeiro lugar eu quero colocar que motivar trabalhos na área de cultura não é somente uma obrigação do poder público, mas sim de toda a comunidade que tem compromisso com a cultura. É claro que cabe ao poder público a parcela maior dessa obrigação. Às vezes conseguimos algumas contribuições do comércio, mas é sempre algo irrisório. Nossa cidade passa por um momento muito delicado em que a violência está prevalecendo nos finais de semana e a causa disso também é a falta de investimento em projetos culturais, de esportes e de lazer. É necessário que aquelas pessoas que podem fazer alguma coisa para dar oportunidade à juventude tenham mais sensibilidade e dar esse apoio aos jovens.

Em relação ao poder público, A ACARBO existe a quase 26 anos, neste prédio onde funcionamos, pagamos aluguel, água, luz, serviço de internet, fornecemos lanches para as crianças, quando um desses meninos apresenta algum problema de saúde nós temos que assumir e nesses quase 26 anos, fizemos inúmeros projetos de apoio a ACARBO e encaminhamos para a prefeitura e nenhum vingou. Na administração atual, surgiu algumas mobilizações por parte dos grupos culturais para reivindicar direitos e pelo administrador do município isso foi visto como um afronto termos ido lá tentar solicitar um apoio que é o nosso direito garantido pela Lei Orgânica Municipal e que infelizmente não é cumprido. Eles arrumam inúmeros argumentos para não ajudar a cultura, mas a gente presencia muitas coisas desnecessárias acontecendo. Infelizmente não há uma política de compromisso com a cultura, essa cultura não vai sair desse estágio de esmolas, de mendingagem, de pedir no pires. Conheço muitos artistas na cidade que deixaram de mostrar suas artes por falta de estímulo, principalmente por parte do poder público. Então esse status de “cidade da cultura” que Santo Amaro carrega é só uma máscara. A cidade e o país que se respeita, o governante que se respeita, olha e preserva com bons olhos para a cultura popular, afinal um povo sem cultura não tem história.

Vocês, enquanto entidades culturais são unidos? Os grupos folclóricos do município lêem a mesma cartilha?

Infelizmente existe uma divisão e isso acontece por falta de consciência. Muitas vezes nós tentamos chamar a grande massa para se organizar a fim de montar algo que possa atender a todos os grupos, mas às vezes fica difícil esse diálogo porque cada qual quer ter a sua própria política e aí termina que ficamos enfraquecidos. Este ano na Festa da Purificação, por exemplo, não houve apresentação dos grupos na praça para não interferir na apresentação das bandas nem dos blocos; quer dizer, quem deveria começar a fazer a festa popular era o povo mas o lado comercial é quem está mandando nos festejos, está errado. O Bembé do Mercado está vindo aí e para que os grupos sejam inseridos na grade de atrações quem deveria administrar a verba da festa era a sociedade civil porque se essa oportunidade não é dada de forma pluralizada significa que um ou dois grupos conseguirão entrar de qualquer forma e os demais ficarão excluídos. Eu não consigo pensar em formas de fazer política com exclusão. Nos festejos populares de Santo Amaro está faltando a consciência daqueles que administram o dinheiro público para que dê a devida atenção a todos os artistas local de forma igual. Os grupos, precisam se reunir, ouvir uns aos outros, deixar a vaidade de lado e buscar o que realmente é melhor para o coletivo da cultura de Santo Amaro.

Você gosta do formato da Festa da Purificação ou do Bembé do Mercado?

Acho que o calendário das nossas festas, seja a Festa da Purificação, o Bembé do Mercado, os desfiles cívicos do 2 de Julho ou 7 de Setembro só será bem feito se a cultura popular do município estiver inserido nele; não consigo entender como uma cidade como Santo Amaro que tem tanto o que mostrar possa estar fazendo aniversário de emancipação política e não tem um evento alusivo organizado contando com a participação dos seus grupos folclóricos ou mesmo de outros artistas da música que estão aí ralando sem oportunidade de mostrar seus trabalhos. Do jeito que a coisa anda é possível se ter na Festa da Purificação uma vaquejada e não teremos uma das manifestações que mais caracteriza o nosso folclore que é o Nego Fugido e para mim não tem justificativa para um erro desse tipo. Não adianta por exemplo colocar uma pessoa que não é capoeirista para organizar uma roda de capoeira porque não vai vingar. Por isso, na minha opinião é preciso que quem governa ouça os “governados” também. Atualmente faço parte do Conselho Municipal de Cultura, tenho falado bastante, tenho ouvido bastante também, tenho feito uma série de sugestões, mas muitas vezes é difícil você ser compreendido por uma série de cabeças pensantes. O Conselho é atuante, tem pessoas de dignidade, de caráter, de boas intenções, mas eu não sou político partidário, não sou filiado a nenhum partido não estou lá para agradar ninguém, a minha bandeira é a nossa cultura.

Diga-me então o ponto forte e o ponto fraco da atual administração no que se refere à Cultura:

O ponto forte do governo na área da cultura, na minha opinião é que conseguimos formar um conselho, conseguimos fazer regimento e estatuto e criar de fato a Secretaria de Cultura que em outros governos não tínhamos e por isso considero um avanço. Mas é necessário que quem está fazendo a gestão cultural tenha humildade para ouvir e procurar fazer da maneira correta; por exemplo, eu, na condição de mestre de capoeira, sempre reúno meus alunos e procuro ouvi-los, de forma democrática a fim de realizarmos mudanças que melhorem o nosso trabalho. Não vai funcionar quando você chega no poder público e quer administrar como se administra sua casa. Existem pessoas dentro da Secretaria de Cultura com competência, bem intencionadas, mas é necessário que o secretário se mostre mais firme diante a posição do prefeito em determinadas situações para que a cultura local seja de fato respeitada. Tirando a criação do Conselho Municipal de Cultura, até agora não vi nada acontecer e já estamos no terceiro ano de governo. Eu pergunto e quero que alguém me responda: qual é o projeto cultural que tem pronto aí para a cidade? Então como é que vou dizer que está bom! Organizar uma festa que homenageie o centenário de Assis Valente é ótimo, homenagear qualquer outro artista santamarense dentro do Bembé do Mercado como foram os casos de Emanuel Araújo e Mãe Lídia, nota 10! A festa da Purificação ter como tema o slogan “Alô Meu Santo Amaro!” a princípio foi uma boa idéia, mas na prática não funcionou, ficou vago porque não adianta você querer apresentar um personagem e depois esconde-lo atrás do palco e ninguém mais ver e foi isso que aconteceu.

Diga-me, onde encontrar a culinária da região para se comer de domingo a domingo? Cadê um lugar estruturado para se procurar e encontrar o artesanato produzido aqui? Ou seja, cadê o nosso Mercado de Arte Popular? Cadê o nosso Centro Cultural? Cadê o nosso galpão para os grupos culturais que não tem espaço físico para seus ensaios? Não existe! Hoje temos como referência alguns lugares como a Casa do Samba, o Teatro Dona Canô, o NICSA, o Memorial Edith do Prato, agora, em nível de prefeitura, através da secretaria de cultura não estou vendo nada estruturado e o pior é que sabemos que a verba existe! Basta querer fazer, é tudo uma questão de conhecimento e vontade política, mas se a política não tem compromisso com a cultura, nada vai acontecer e quando acontecer, se acontecer, é mera obrigação do poder municipal porque os governantes foram eleitos para isso.

Além da ACARBO você também trabalha com a Escolinha de Artes, Adroaldo Ribeiro Costa, do NICSA. Me fale desse trabalho e de como acha tempo para se envolver com tantas coisas:

A idealizadora e mãe da Escolinha Adroaldo Ribeiro Costa é a professora Maria Mutti que é uma das primeiras pessoas em Santo Amaro a desenvolver esse trabalho social e educacional com crianças, voltado para o incentivo, resgate e preservação da cultura popular. O compromisso dessa senhora sim, é com a cultura como sempre foi e a gente pode perceber através do seu envolvimento em diversos projetos na cidade. Os trabalhos da Escolinha acontecem às segundas, quartas e sextas, sempre pela tarde. Trabalho com as crianças do NICSA há cerca de 15 anos, são 30 crianças.

Lá essas crianças aprendem a capoeira de Angola, o maculelê, o lindro amô, o terno de reis e claro, o samba de roda.

Seguimos rigorosamente o nosso calendário de atividades que começa em fevereiro e vai até dezembro. Hoje quem responde pelo NICSA é a Fundação José Silveira e graças a Deus as coisas vão caminhando sem alterações que dificultem os nossos trabalhos. Hoje estou muito envolvido com projetos, viajo bastante principalmente para mostrar o nosso Maculelê, participo de várias oficinas em muitas outras cidades, mas consigo administrar tudo isso até porque conto com uma equipe de trabalho muito boa, sem a qual a ACARBO não teria lá fora o respeito e o prestígio que temos hoje.

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